segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Alguns dos poemas que espalhámos por Messines...

[Passagem de peões]

À vinda do supermercado
diz-me o pequeno monstro
que às vezes me faz companhia:
"E qual é a tua razão de ser?"

Na rua, a tarde rola devagar
entre prédios murchos - e ele
acrescenta: "Não me digas
que são os versos."

E ri-se.
(Rui Pires Cabral)

Gosto daquela cigarra
que ao chegar o Inverno
e porque gosta
come as formigas.
(Daniel Maia-Pinto Rodrigues)

Mississipi

Há muito tempo que não saio de casa (a não ser para ir ao supermercado ou à geladaria)
Se soubesses a confusão de rios que vai no meu quarto
Estou morto por te apresentar o Mississipi
Estou morto que venhas estou morto por ouvir
o som irritante da campainha da entrada
Há muito tempo que não saio de casa
Se soubesses a vontade que tenho de passear
no interior da tua orelha
(Jorge Sousa Braga)

O guarda-rios

É tão difícil guardar um rio
quando ele corre
dentro de nós
(Jorge Sousa Braga)

A borboleta que poisou
no teu mamilo perdeu
vontade de voar
(Jorge Sousa Braga)

Só tu
sabes sorrir
na vertical
(Jorge Sousa Braga)

Nem todos os frutos vermelhos
merecem o céu
da tua boca
(Jorge Sousa Braga)

Dióspiros

Há frutos que preciso
acariciar
com os dedos com
a língua

e só depois
muito depois

se deixam morder
(Jorge Sousa Braga)

Eu amo

Eu amo o teu gravador de chamadas.
Ele não me abandona
e repete vezes sem conta
a tua voz.
(Pedro Mexia)

Madrigal

Gosto quando pões a quinta porque me tocas na perna com o nó dos dedos
(Miguel-Manso)

Nos semáforos da Rua de Santa Catarina

Ao menos os teus olhos
permanecem verdes
todo o ano
(Jorge Sousa Braga)

Da voz das coisas

Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.

Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.
(Fiama Hasse Pais Brandão)

Voamos

Voamos a lua,
Menstruadas

Os homens gritam:
– são as bruxas

As mulheres pensam:
– são os anjos

As crianças dizem:
– são as fadas.
(Maria Teresa Horta)

A rapariga que esperava muito
as cartas do namorado
que lhe escrevia muito pouco
foi violada pelo carteiro
(…)
(Adília Lopes)

It’s all right, Ma…

Está tudo bem, mãe,
Estou só a esvair-me em sangue,
O sangue vai e vem,
Tenho muito sangue.
(...)
(Manuel António Pina)

Sapatos

Os pés tomam o hábito dos sapatos,
vão calcorreando as ruas,
os sapatos são novos, as ruas
antigas, não sei bem o que será morrer.
(Pedro Mexia)

Vamos morrer

Vamos morrer, mas somos sensatos,
e à noite, debaixo da cama,
deixamos simétricos e exactos,
o medo e os sapatos
(Pedro Mexia)

4.
Na reunião da comissão de moradores de um dos bairros da cidade foi
aprovada por unanimidade a substituição dos candeeiros de iluminação
pública por pirilampos.
(Jorge Sousa Braga)

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